VIJ-DF esclarece as dimensões dos maus-tratos contra crianças e adolescentes
Negligência, violência física, sexual e emocional são formas de violações de direitos às quais crianças e adolescentes são constantemente submetidos. “Nós podemos reunir essas quatro dimensões na definição de maus-tratos – práticas de cuidado consideradas impróprias pela cultura, sempre dentro de determinado período histórico e de determinada sociedade”, explica Niva Campos, psicóloga e supervisora da Seção de Atendimento à Situação de Risco da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (SEASIR/VIJ-DF).
Além de violar direitos, práticas de maus-tratos têm efeitos nocivos que podem se prolongar no tempo – por isso a importância de sua identificação, denúncia e prevenção. Entre as consequências das formas de violência e da negligência estão atrasos no desenvolvimento afetivo e outras sequelas psicoemocionais. “Elas podem resultar em adultos socialmente passivos, emocionalmente insensíveis, com dificuldade de confiar e estabelecer relacionamentos e com ambivalência afetiva”, exemplifica Niva. A supervisora da SEASIR acrescenta que as vítimas têm maior tendência à depressão, fora casos extremos que terminam com a morte do jovem.
Quatro dimensões de maus-tratos
Algumas das formas de violência infantojuvenil podem passar mais facilmente despercebidas, seja por ocorrerem no ambiente doméstico, seja por não serem encaradas como forma de maus-tratos pelos adultos.
Negligência
A negligência deve ser considerada de modo amplo. Ela ocorre ao se desconsiderar o cumprimento de direitos básicos de crianças e adolescentes. Entre os exemplos de negligência está o não atendimento das necessidades de higiene, de repouso, de alimentação, de acesso à saúde, incluindo tratamentos especializados necessários ao bom desenvolvimento e à estimulação precoce.
Outro exemplo de negligência é não estabelecer uma rotina saudável de repouso, alimentação – em quantidade, regularidade e qualidade –, estudo e lazer. “É dever não apenas matricular na escola, mas acompanhar o desenvolvimento, a frequência escolar”, esclarece Niva Campos.
Além das necessidades físicas, a negligência também pode acontecer ao não se exercer a vigilância saudável dos jovens. É preciso estar atento às atitudes, comportamentos e hábitos, às pessoas e aos lugares de convivência, inclusive no ambiente virtual. “É importante que os pais tenham atenção aos sites a que a criança tem acesso, dado que cada vez mais a tecnologia está inserida nas nossas vidas”, acrescenta Niva.
Violência física
Consiste em qualquer tipo de agressão ao físico da criança ou adolescente com ou sem o uso de objetos. A violência física, além de danos físicos temporais, pode prejudicar o desenvolvimento orgânico e cerebral dos jovens, bem como ser letal.
Muitas vezes, ela vem acompanhada de justificativa dos responsáveis que a desconsideram como possíveis maus-tratos. No entanto, o artigo 18-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que crianças e adolescentes têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante como formas de correção. “Os pais devem ser responsáveis, pensar em outras formas de impor limites, que são necessários, e educar seus filhos sem o uso da violência física”, ressalta a supervisora da SEASIR.
Niva Campos completa que a violência física não tem alcance como medida corretiva e educacional e que pode acabar em excessos, gerando uma situação mais grave. “A violência física, ainda que para correção, tem que ser banida. Os pais precisam fazer uso de métodos de correção mais saudáveis, como o diálogo e a retirada de privilégios”, pondera.
Violência sexual
Usar criança ou adolescente para a própria gratificação sexual aproveitando do grau de ingenuidade, da pouca autonomia ou do vínculo afetivo caracteriza violência sexual. Pode vir a ser revelada após anos de sua ocorrência, perpetuando-se no tempo devido ao grau de inocência da vítima, por medo ou mesmo por ser confundida com manifestação de afeto. “A criança não sabe totalmente distinguir o que é certo do que é errado. Se aquela pessoa que cuida dela, de quem ela gosta, comete um ato que ela não compreende bem, pode levar um tempo para entender que aquilo não é correto”, explica Niva Campos.
Reginaldo Torres, supervisor do Centro de Referência para Proteção Integral da Criança e do Adolescente em Situação de Violência Sexual da VIJ-DF (CEREVS), afirma que os principais autores desse tipo de violência são membros da própria família que ocupam a posição de poder e autoridade em relação às crianças e aos adolescentes. Além de confusão nas percepções da criança, do apelo afetivo, as vítimas ainda são frequentemente pressionadas a manter as violações em segredo. “Para ter acesso a essas evidências, é preciso que estejamos mais próximos afetivamente e genuinamente interessados em sua proteção”, diz o supervisor.
Além de abusos físicos e estupros, considera-se violência sexual a exposição de crianças a situações e conteúdos inapropriados e à intimidade de seus cuidadores. Os maus-tratos dessa dimensão causam danos ao desenvolvimento emocional, podendo prejudicar inclusive relações futuras.
Violência emocional
A violência emocional é mais sutil e com possibilidade de passar sem ser notada. “Muitas vezes ela acontece dentro de casa, e os responsáveis, quando em outro ambiente, podem se comportar de forma diversa, o que atrapalha a identificação”, explana a supervisora da SEASIR. A violência emocional se caracteriza por humilhar, xingar, ridicularizar, além de desincentivar, desconsiderar ou não permitir a expressão de sentimentos.
Outra forma de expressão dessa modalidade de maus-tratos é o isolamento de crianças e adolescentes do convívio saudável com outras pessoas significativas na vida deles. É corriqueiramente usada por adultos que também têm problemas emocionais como recurso de controle ou por problemas com relação a outra pessoa. Na mesma linha da privação está desabonar parentes para incentivar o afastamento. “Para uma criança, pais, irmãos, avós, tios e outros parentes são importantes. Desde que os familiares não cometam atos de violação de direitos e sejam presenças saudáveis, a criança merece conviver com todos eles”, completa Niva.
Expor a criança ou adolescente à violência conjugal ou intrafamiliar também é considerada uma forma de agressão emocional. “As pessoas têm que cuidar das suas relações, ter um ambiente sereno em casa, pois ele será transmitido para a criança”, argumenta Niva. Ela ainda lembra que essa dimensão de maus-tratos pode vir mascarada em cuidado: “A violência emocional pode estar encoberta no manto da superproteção, quando pais e mães não deixam filhos experimentarem suas habilidades por proteção, impedindo o indivíduo de crescer, se desenvolver, de conviver em sociedade”.
Saiba mais sobre maus-tratos
Nas próximas matérias desta série sobre maus-tratos infantojuvenis, falaremos sobre como identificar sinais de violação, como agir em caso de suspeita de violência, os impactos da pandemia e o autocuidado materno e paterno como forma de prevenção a situações de risco. Acompanhe!
Fonte: TJDFT