Grupo de Trabalho do TJDFT discute nova etapa da Política Antimanicomial do Judiciário no DF
Os integrantes do Grupo de Trabalho Interinstitucional Política Antimanicomial do Poder Judiciário no DF (GTIPA), sob coordenação da Desembargadora Nilsoni de Freitas Custódio, Supervisora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Distrito Federal (GMF/DF) e do Juiz Fernando Mello, Coordenador suplente, reuniram-se na quarta-feira, 8/5, para dar início à segunda etapa da implementação da Política Antimanicomial do Poder Judiciário, com vistas à interdição total da Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP), prevista para o mês de agosto de 2024.
O Grupo de Trabalho foi criado pela Portaria Conjunta 116/2023, do TJDFT, para discutir a implementação, no Distrito Federal, da Política Antimanicomial do Poder Judiciário, instituída pela Resolução 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O normativo do CNJ estabelece procedimentos e diretrizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei 10.216/2001, no âmbito do processo penal e da execução das medidas de segurança.
Na abertura da reunião, o Juiz Fernando Mello afirmou ter sido frutífera a primeira etapa dos trabalhos, em que se discutiu os fluxos possíveis, após o fechamento parcial da ATP, para o encaminhamento das pessoas com transtorno mental ou com qualquer forma de deficiência psicossocial em conflito com a lei. O magistrado pontou que o encontro atual tem como objetivo continuar as reflexões para a nova fase. “Trabalhamos para viabilizar o fechamento parcial da ATP, estabelecemos os fluxos para o tratamento dessas pessoas, especialmente os do Núcleo de Audiência de Custódia (NAC) e atualmente temos um remanescente de 138 internos ainda na ATP. Este é o grande desafio: o que fazer com essas pessoas?”
Com o questionamento, o magistrado passou a palavra ao médico Otávio Castello, Chefe da Seção de Psiquiatria Forense do IML/DF e professor Colaborador de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), pós-graduado em Psiquiatria Forense pelo IPq-FMUSP. Ainda, de acordo com o Juiz coordenador suplente, a pesquisa realizada é inédita, “não temos notícia de similares em nenhum estado brasileiro”.
Na apresentação do relatório de Avaliação dos internos da Ala de Tratamento Psiquiátrico do DF – Prospecção Epidemiológica, Otávio Castello esclareceu que: “Para fazermos a discussão de cada caso, usamos alguns norteadores. Por princípio, todos precisam ser desinternados. O objetivo é buscar desinternar todos que estão na ATP. A diretriz é essa, mas temos que ver os desafios para viabilizar isso de forma responsável e segura. Por exemplo, é preciso atuar em rede para garantir que o tratamento integral realmente ocorra. Identificar e criar os fluxos que precisam que ser criados entre instituições, por exemplo com os CAPS, com o serviço social e demais órgãos, inclusive para gerenciar riscos conhecidos”, explicou.
“O que é um risco conhecido? São situações previsíveis que agravariam o estado mental. Por exemplo, uma pessoa que o tratamento controlou uma tendência a comportamento violento e abandona o tratamento pode favorecer que cometa outro crime. Temos que garantir o tratamento adequado tanto para o bem-estar da pessoa quanto para diminuir a chance de reincidência delitiva”, observou o especialista. De acordo com o professor, é preciso que tudo isso ocorra combatendo o estigma e a discriminação que existe contra as pessoas com transtornos mentais que infringiram a lei penal.
Conclusões
A pesquisa contabilizou 191 internos na Ala de Tratamento Psiquiátrico, ao longo de 2023, dos quais 43 (22,5%) já haviam saído em 9 de janeiro de 2024 – data referencial da pesquisa. Dos 149 ainda internados: 130 eram homens, 13 eram mulheres e 6, de outros gêneros. O relatório reuniu, ainda, o número de internações na ATP, a quantidade de reinternações e número de laudos produzidos pelo IML. Outras variáveis, como perfil delitivo, perfil de diagnósticos psiquiátricos, o estado mental atual e as variáveis que compõe o cenário psicossocial foram aferidos e elencadas para cada indivíduo. “Foi uma verdadeira força-tarefa, que trabalhou reunida por vários dias na ATP. Além de servidores do GMF/DF e Vara de Execuções Penais do DF (VEP/DF), o grupo foi integrado por policiais penais e profissionais de saúde que atuam na ATP (médico, psicólogas, enfermeiro, assistente social)”, esclareceu Otávio Castello.
O médico destacou que alguns dados preliminares impressionam por sua magnitude. Por exemplo, em relação ao tratamento psiquiátrico prévio, 70,2% dos internos já tinham sido acompanhados no CAPS e 50% deles já tinha sido internado em hospital psiquiátrico. Além disso, 77% tinham histórico de má aderência e/ou abandono do tratamento. Em relação aos aspectos psicossociais, destacam-se que 26,35% tinham antecedente de ter vivido em situação de rua e; 54% foram autores de delito no contexto de violência doméstica.
O resultado da discussão multidisciplinar foi a recomendação individualizada quanto ao tratamento necessário para cada caso: 27,7% podem ser acolhidos pela família ou amigos; 34,4% ainda requerem tratamento internados em hospital psiquiátrico; e 22,9% devem ser acolhidos por residência terapêutica de nível II – equipamento em fase de credenciamento pela Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal.
Concluiu-se, também, que a interdição parcial da ATP pode estar gerando desassistência psiquiátrica e que os recursos necessários para fechamento da ATP parecem suplantar a capacidade instalada da rede pública de saúde mental (RAPS/DF). De acordo com Otávio Castello, “há necessidade de registrar formalmente a discussão de cada caso, para fins processuais, assim como realização de pesquisas suplementares”.
Após a exposição do profissional de saúde, a Juíza Leila Cury, titular da VEP/DF, e Fernanda Falcomer, Diretora de Serviços de Saúde Mental do DF (Dissam), relataram as principais demandas pós-fechamento parcial da ATP. Por fim, a Desembargadora Nilsoni Custódio divulgou o IX Seminário de Justiça Criminal, cujo tema será Desafios para Efetivação da Política Antimanicomial no Poder Judiciário. O evento será realizado nos dias 4 e 5 de junho, no Auditório Sepúlveda Pertence do TJDFT, com transmissão ao vivo pelo Canal do Tribunal, no YouTube, e contará com diversas mesas de debate e a participação de representantes do GTIPA.
Integram o grupo de trabalho e compareceram à reunião a Desembargadora Nilsoni Custódio; a Juíza Leila Cury, da VEP/DF; a Juíza Substituta Lorena O’campos; a Juíza Substituta Francisca Danielle Mesquita; Aliane Marques de Almeida, do GMF/DF; Josué Sylvestre Terceiro, da VEP; Luciana da Silva Pedron, do CACJE; Jacqueline Demes, do PAAC/NAC; Adriana Salermo, da ASGC; o perito médico-legista Otávio Castello, da Polícia Civil do Distrito Federal; Fernanda Falcomer, da Dissam da Secretaria de Saúde do DF; Paula Zeni, da Diretora de Áreas Estratégicas da Atenção Primária; a advogada Adrielle Maturino, da OAB/DF; os promotores Lucas Baumfeld e Clayton Germano, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT); os policiais penais Alex Fernandes Rocha e Raíssa Winter, da Secretaria de Administração Penitenciária (Seape); e os Defensores Públicos do DF, Ramiro Sant’ana e Felipe Zucchini.
Participaram como convidados do GTIPA, o Juiz Aragonê Fernandes, da Vara Criminal e do Tribunal do Júri do Recanto das Emas; e os servidores do GMF/DF, Luciana Dibe, José Júlio da Silva, Nadine Neves e Maria Liduina Sales.
Confira mais fotos da reunião.
Fotos: Rafael Victor
Fonte: TJDFT