Famílias contam experiência de acolher crianças em seus lares de forma temporária
A convivência familiar é um direito de toda criança e adolescente. Porém, quando a família não é capaz de proteger, cuidar e garantir o necessário para o desenvolvimento saudável de um filho ou filha, a Justiça da Infância e da Juventude pode incluir essa criança ou adolescente em programa de acolhimento familiar, como medida protetiva para cessar a violação ou ameaça de seus direitos.
Família Acolhedora é o nome do serviço criado para as famílias que acolhem temporariamente em suas próprias casas crianças ou adolescentes impossibilitados de receber cuidado e proteção da família de origem. No Distrito Federal, esse serviço é executado pelo Aconchego – Grupo de Apoio à Convivência Familiar e Comunitária –, uma entidade civil, sem fins lucrativos, por meio da parceria firmada com a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes).
O acolhimento familiar é uma medida de proteção prevista no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aplicada apenas quando se esgotam as possibilidades de manutenção do menino ou menina em sua família de origem. Além de excepcional, essa medida é provisória, ou seja, a criança só fica no acolhimento até poder retornar à sua família biológica ou ser encaminhada a uma família substituta por meio da adoção.
As famílias do Distrito Federal cadastradas para prestar esse serviço são capacitadas pelo Aconchego e recebem supervisão e apoio psicossocial contínuo da equipe técnica da entidade, além de auxílio financeiro da Sedes, cujo valor está em torno de 450 reais por mês. Elas recebem temporariamente em seus lares crianças ou adolescentes encaminhados por decisão judicial da 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ª VIJ-DF).
A experiência do acolhimento familiar
Uma das famílias que aceitaram o chamado do Família Acolhedora foi o casal Verânia Leal e Arnaldo Costa, que tem uma filha de 3 anos. “Nós nos sentimos sensibilizados com a situação de vulnerabilidade de tantas crianças e adolescentes, e poder acolhê-las temporariamente em nossa casa é uma forma de contribuir com o processo de formação de pessoas já tão marcadas por situações difíceis e dolorosas”, afirma Verânia, que é psicopedagoga.
O casal teve o primeiro contato com o Família Acolhedora em 2019, quando residia em Salvador. Ao se mudarem para Brasília, Verânia e Arnaldo resolveram buscar a equipe do programa no DF e começaram a participar dos encontros de formação. Em 2023, puderam acolher a primeira criança em sua casa – um bebê de 3 meses. “Minha família lá em Salvador também participou, mesmo de longe, enviando roupas infantis e outros materiais necessários aos cuidados da criança”, conta Verânia.
Levar ao médico, passear, ninar e acordar de madrugada para alimentar são algumas das atividades inseridas na vida dessa família acolhedora. “Ter um bebê em casa revolucionou nosso cotidiano e nos fez reajustar a dinâmica de nossas vidas, o que não é nada de mais diante da possibilidade de cuidar de quem precisa do nosso tempo, da nossa atenção e do nosso amor”, declara Verânia.
O casal diz que essa experiência tem sido transformadora porque, além de abrirem as portas da sua casa para uma criança, abriram seus corações e ampliaram o olhar sobre o seu papel enquanto cidadãos. “Não acolhemos por caridade, mas porque reconhecemos nossa função na urgência de cuidar de alguém que está vivendo uma situação vulnerável. Entendemos que sua infância deve ser respeitada e honrada”, destaca Verânia.
Essa família acolhedora conta ter aprendido a valorizar ainda mais a presença do outro em sua vida e a perceber como pode fazer a diferença na vida de outras pessoas. “O que podemos oferecer de mais precioso não tem valor material nem pode ser comprado no shopping. O que acalenta a criança acolhida é o nosso colo, o nosso abraço e o nosso calor. É isso que nos sustenta também”, afirma Verânia.
Na visão do casal, acolher uma criança temporariamente fortalece a ideia de que é possível acreditar na transformação das pessoas, das famílias, e possibilita entender a corresponsabilidade na construção de dias mais felizes e dignos à criança acolhida. Para as famílias que pensam em participar do programa, Verânia diz ser uma experiência trabalhosa, mas transformadora. “Fazer parte do desenvolvimento de alguém é uma honra! A família que acolhe também cresce e aprende demais com isso”, declara.
Cuidado e amor
Outra família que abriu as portas do seu lar e do seu coração para acolher crianças de forma temporária foi a de Luciana Gomes e Ana Barbosa. Há cerca de um ano no serviço de Família Acolhedora no DF, elas já acolheram duas crianças. A primeira, com 11 dias de vida, ficou sob seus cuidados até os 5 meses; a segunda, com 30 dias, continua com elas, até que seu destino seja decidido pela 1ª VIJ-DF.
“Família acolhedora é ser abrigo, cuidado e amor. É divino ser família acolhedora e saber que você é importante num momento tão delicado da vida de uma criança e esse amor poderá transformar a vida dela para sempre”, declara Luciana. Ela diz que também aprendeu com o programa a ter um novo olhar a respeito da sociedade e a não fazer prejulgamentos da história de ninguém sem conhecê-la de verdade.
Ana e Luciana sempre ajudaram financeiramente entidades de acolhimento. Quando conheceram o programa Família Acolhedora, viram que era possível contribuir além disso e se encantaram com o acolhimento familiar. “A vivência com uma criança em nosso lar transformou nosso modo de amar em um amar sem posse. Você cuida, ama e tem ciência de que a criança irá embora e você poderá nunca mais vê-la”, compartilha Luciana.
Julia Salvagni, representante do Aconchego responsável pela coordenação do serviço de Família Acolhedora, conta que as famílias falam do programa como uma vivência incomparável. “É um amor cotidiano traduzido em ação. Não é só um sentimento. É uma ação para mim, para o outro, para toda a sociedade e que transforma a maneira como as famílias enxergam o mundo. Elas podem perceber o quanto fazem a diferença em um ato do dia a dia, no cuidado com uma criança”, reflete a coordenadora.
Em busca de famílias acolhedoras
Recentemente, o convênio do Aconchego com a Sedes ampliou a quantidade de vagas para o acolhimento familiar no DF, passando de 20 para 65 o número de meninos e meninas de 0 a 18 anos incompletos que podem ser acolhidos pelo programa. Contudo, só há cerca de 40 famílias habilitadas no momento para acolher temporariamente crianças ou adolescentes. Por isso, o Aconchego está em busca de novas famílias dispostas a ser acolhedoras.
Julia Salvagni ressalta a necessidade de aumentar o número de famílias acolhedoras para além das vagas disponíveis. “Quanto mais famílias se cadastrarem, mais viável se tornará o programa, pois nem sempre as mesmas famílias têm disponibilidade ou condição de acolher uma criança ou adolescente que precisa em determinado momento”, esclarece a coordenadora do serviço.
Além do desafio de ampliar o número de famílias acolhedoras, o programa agora busca lares que acolham meninos e meninas de variadas idades. Julia ressalta ser essencial que a família tenha disponibilidade afetiva. “A vida dessa família precisa ter um lugar para que essa criança ou adolescente entre e se sinta pertencente enquanto estiver lá. A pergunta que fazemos é: essa criança cabe na sua vida?”, pondera a coordenadora.
O programa de acolhimento familiar aceita todas as configurações familiares. Além de atender aos critérios obrigatórios para se tornar família acolhedora, a pessoa interessada passa por entrevistas, visita domiciliar, avaliações e capacitação de seis encontros, sendo uma parte presencial e outra virtual. O curso aborda conteúdos teóricos e reflexivos, que vão desde o fundamento legal do serviço até questões subjetivas que envolvem o acolhimento familiar.
Para Verânia Leal, participar das lives promovidas pelo Aconchego e dos encontros presenciais de formação ajuda a conhecer a missão do acolhimento familiar com mais profundidade. “Assim, é possível saber que existe um trabalho estruturado e uma equipe muito engajada na proteção de tantas crianças. Uma família acolhedora pode ser a mudança na vida de alguém, que também vai mudar sua vida para melhor”, declara.
Critérios para ser família acolhedora
- Residir no Distrito Federal.
- Ser maior de 18 anos.
- Não ter a intenção de adotar e nem estar no cadastro de adoção.
- Ter disponibilidade afetiva e emocional.
- Ter habilidade e condições de saúde para cuidar de uma criança ou adolescente.
- Não ter antecedentes criminais.
- Ter a concordância de todos os membros da família que compartilham do mesmo lar.
Atenção individualizada
De acordo com Vânia Sibylla, supervisora da Seção de Fiscalização, Orientação e Acompanhamento de Entidades da 1ª VIJ-DF, sempre que há determinação judicial para o acolhimento de uma criança ou adolescente, o Família Acolhedora é o primeiro serviço a ser consultado quanto à disponibilidade de vaga. “A prioridade, segundo o ECA, é para o acolhimento familiar. Não sendo possível, procuramos vagas nas instituições”, explica a supervisora.
Vânia destaca o fato de ser mais fácil proporcionar atenção e cuidado individualizado a uma criança ou adolescente em acolhimento familiar. “Nas instituições de acolhimento, mesmo com as cuidadoras sendo qualificadas e mantendo equipes multidisciplinares, a atenção e o cuidado são mais coletivos devido ao grande número de acolhidos. A demanda de uma criança inserida no Família Acolhedora tende a ser resolvida mais rápido do que em uma instituição de acolhimento”, avalia.
Apesar disso, a supervisora frisa que tanto o serviço de acolhimento familiar quanto o institucional recorrem à rede de garantia e proteção à criança e ao adolescente para atender às necessidades dos acolhidos e suas famílias e, assim, estão sujeitos às limitações de atendimento dessa rede. “Uma das contradições da sociedade é justamente a falta de política pública que fortaleça as famílias, evitando a intervenção do Estado e a retirada das crianças de sua casa”, reflete Vânia.
Quem também ressalta a individualização do cuidado com as crianças como um diferencial do acolhimento familiar é a servidora Rosivony de Oliveira, psicóloga da Seção de Colocação em Família Substituta da 1ª VIJ-DF. “O Família Acolhedora oferece a possibilidade de a criança, mesmo antes da adoção ou da reintegração familiar, vivenciar o que é estar em uma família adequada e protetiva, na qual ela possa ser atendida não só em suas necessidades básicas, mas também em suas necessidades afetivas, psicológicas e sociais”, afirma a psicóloga.
Do ponto de vista da equipe de adoção, Rosivony diz haver uma percepção clara de que as crianças em família acolhedora chegam no cadastro mais preparadas e conscientes sobre a possibilidade de serem adotadas por nova família, facilitando o início do processo adotivo. “Por já estarem inseridas em uma rotina familiar, são mais tolerantes às novas regras, limites e configurações da família adotante”, completa a servidora.
Julia Salvagni afirma que o acolhimento familiar propicia à criança ser olhada em sua individualidade e necessidades em um momento difícil da sua vida, impactando seu desenvolvimento de maneira significativa. “Enquanto sociedade, precisamos olhar as crianças como nossas. O Família Acolhedora é uma maneira de nós olharmos para uma criança que precisa ser amparada e cuidarmos dela de forma direta, no seio da nossa família”, ressalta a coordenadora do programa.
Saiba mais
Passos para se tornar família acolhedora
- Inscrever-se no serviço, enviando nome completo e número de telefone para o e-mail familiaacolhedora.aconchego@gmail.com.
- Participar de uma entrevista com profissionais da assistência social e da psicologia, que explicam o serviço com mais detalhes e verificam os requisitos do candidato.
- Participar de uma capacitação de seis semanas (on-line e presencial).
- Receber uma visita domiciliar.
- Ter a habilitação deferida pelo Aconchego.
Dúvidas
Entre em contato com o Aconchego.
E-mail: familiaacolhedora.aconchego@gmail.com
Telefones: (61) 3963-5049 / (61) 99166-2649
Instagram: @aconchegodf
Fonte: TJDFT